quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O negro

O negro olhava pela janela o tempo passar, perdido em si mesmo a pensar. O negro, num mundo tão grande, não tinha chances de mudar. E na imobilidade, quem sabe, achava um refúgio pra tragédia do dia-a-dia que aprendeu a levar no riso. Nada nunca mudou, nunca teve escolha, forçado pelo turbilhão de circunstâncias o negro continuou. Perdia-se na pouca vista que lhe cabia, a visão pobre de periferia sem cores, praças, vida. E hoje o vi denovo, o vejo em muitas janelas... às vezes negro, às vezes mulato, às vezes branco, amarelo... Às vezes a andar pelas ruas, a catar o lixo. Eu não percebia que o negro, tão parado, faz o mundo girar. E o mundo, indiferente, gira rápido demais para o perceber, que dirá o ajudar. E, à tarde, o negro volta à janela, sem muita escolha de pr'onde olhar e se pergunta: mais quanto tempo vou ter que esperar? E como dói a pergunta, e como dói a resposta. Eis uma dor que não podemos ignorar.