segunda-feira, 9 de junho de 2008

Crepúsculo

Fechou o livro. Mais um livro e nada. Continuava com o sentimento inquieto, o vazio pungente, a necessidade incômoda de não-sabia-o-que, mas não cansava de procurar. Tinha parado sua vida, vivia dos restos dos restos, não fazia nada se não ler. Não podia deixar de buscar, buscar sempre, eternamente e lia mais e mais livros, nenhum deles dizia nada, palavras que já não faziam sentido, os livros organizados na parede tornavam-se folhas amontoadas pelo chão, pelos cômodos. Andava já cambaleante, arrastava-se pelos quartos entre livros e livros, impossivelmente determinada. Esqueceu seu nome, esqueceu de sua vida, perdeu a chave da porta, não sabia há quantos dias, meses, anos estava entre aquelas paredes e aqueles livros, intermináveis, digeria um atrás do outro sem pausa, talvez estivesse louca mas não pensava mais em si, não perdia seu tempo considerando as fúteis determinantes do ser-normal. Apenas continuava, eternamente, continuava, sempre. Obsessiva na sua busca pelo sentido que faltava, pela palavra ou parágrafo certo, continuava, sem saber: não havia. E naquela tarde de agosto quando pela janela pôde ver os últimos raios de sol fugirem para o outro lado do mundo - conceito já volátil em sua mente - fechou o ultimo livro, depois da ultima palavra lida e chorou suas ultimas lágrimas de desgosto. Morreu sem saber sabe-se lá o que.

Um comentário:

Cesar disse...

Esse texto me lembra a música "Metade" da Adriana Calcanhoto:

"Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio"

Abração.